Monday, April 16, 2007

Ao som do Hoje...


Ding!Dong!
Marca o tempo que fica para trás e caminho um pouco mais…
Perdi a bolha de ar sôfrega, que sorvia a minha angústia e as arestas corroídas de um ser em agonia.
Torna-se límpido e transparente o vidro antes ofuscado pela impaciência do ser-se mais cedo que o depois.
Desprendem-se as amarras de um cárcere fictício, que me descontrolava as horas redondas e desgastadas pelas memórias de futuro…”que seria se?”….”fora eu outrem?” e se…e se …se, se, se…
Seguinte, vira a página, toca um piano diferente, mais afinado pela doce harmonia do que corre e se materializa, na palma da minha mão, que já não agarra invasões permitidas.
Penso no que sei e mais não profiro para não cair onde não me possa resgatar.
Sou hoje, sou eu, sou nós, sou sentimento e tudo o que posso ser sem me adiantar ao ding!dong! deste tempo que não detenho…
Creio que será para sempre um mistério ver mais além, mas isso também já não me interessa, porque agora tenho-me em plenos contornos de exactidão.
E de que me servia espreitar o horizonte, se fecho os olhos e vejo-o na mesma, daqui deste meu mundo plano e próximo, sem surrealismos de pinceladas vindouras.
Perco tempo com languidez, deito-me indolente, sento-me no ócio, prendo-me num único instante que me protege das centelhas de um espaço celestial e inacessível à minha parca humanidade.
Ding!Dong!
Já não é a cadência da insanidade, antes o compasso que me carrega pelos recantos de um presente que aprendi a amar, em todas as suas cores e falhas.

Friday, April 06, 2007

O meu blog

Amigos, não se esqueçam de visitar o meu blog: http://amoralva.blog-city.com

É essencialmente um blog de divulgação literária: poemas meus, textos de outras pessoas, críticas desde que não sejam muito grandes, etc etc

Um abraço a todos
Jorge

Thursday, April 05, 2007

Ou de como Lúcifer está sempre a aparecer. Versão 2007 da mesmoa história



(imagem de Marcel Duchamp)

o dia começa com a ressaca do dia anterior. estou um pouco bêbedo. a mulher de lúcifer decide alimentar o seu amo com uma voz diferente do habitual, uma mistura de acrílico e sânscrito. não me faço entender, pois não? julgas que com essas falinhas mansas consegues abrir com um funil o meu estômago? joga antes com a minha cabeça, faz um jogging comigo aqui. já sei que no inferno não há camas. mas há outras formas de se rir. talvez possa dar um arroto. lúcifer decide tocar cítara para os peixes. tubarões, baleias, taínhas do tamanho dos himalaias juntam-se à festa. acendem a luz e começa a rave. muita gente dança e grita porque gente desta não sabe cantar. e, mesmo que soubesse, teria a voz da Diamanda Galas a cantar o vitinho. a não ser que tenham tomado 60% de afrodisíaco. fumar mata apenas quando cantamos à terra do inferno. porque é que tens a voz como Gengis Cão. auf. auf. auf. morde-me os maxilares e rompe-me a boca. talvez o meu dente do siso nasça entretanto o que, pela história do mundo, talvez não aconteça. nunca tive juízo nenhum, e se alguma vez o tive, foi quando sabotei os cabelos dos patrões. o grande capital do céu! Eh la anjos com óculos de retaguarda a olhar os rabiosques das princesas! Eh la TGV entre o purgatório e o monte das oliveiras! Mais parece que estamos todos malucos, com uma grande trip de LSD sempre que cantamos. Devil In The Sky With Diamonds. J Pimenta for ever! E um pedaço de espumante a sair dos copos, vários sinos, vai sair a última rodada. Pareces uma galinha quando trazes as bebidas. Então, não as trago. Deixo-as estar debaixo dos teus cornos. está bem. Passa-me aí o detergente para as pulgas. Já estou farto de te ouvir. Se te ouvir, fica um demónio a menos e fico só eu a mandar.talvez, mas não ponhas a língua demasiada de fora porque então em vez de comermos línguas de gato passávamos a comer línguas de belzebu. se pudéssemos rir das nossas desgraças, dava-te uma árvore de graça e divertia-me com ela. em vez de a fazer nascer, invertia o tempo e deixava-a andar para trás. como tu tombas quando vais para a porta tocar acordeão com o napoleão. já estou farto desse gajo. e pára de martelar nos meus cornos como se fosses o anjo rafael.

Jorge Vicente

Sunday, April 01, 2007

Glorificatio




(fotografia de Cindy Sherman, "Film Still Nº 26", 1979)

escrevo num acto de sangue, uma ferida aberta que escorre antes do tempo, um baptismo, a ferocidade da água alimentando entranhas, poros, entranhas, uma parede fechada por fora ---------------- sem fim, o som ausente repercutindo-se através do ar, ondas de rádio, paredes de água fechando e abrindo, a criação do mundo ------------------- o som fica lá fora, abaixo da parede que envolve os cabelos, sou uma muralha de som deixada ao acaso. só ficarás tu. e o teu antigo deus que, de manhã, abriu os braços e levou-te à praia ---------------- os olhos são uma torre de areia levantada, um farol na brisa da tarde, segues a multidão, e és cega, e és uma torre, um pedaço de areia adormecida,

fica talvez a pedra,
sempre fica alguma coisa de tudo o resto que se perdeu,
e levantou ----------------
e se perdeu,---------------
e se levantou novamente sem se transformar.

nada se transforma quando se glorifica o espaço entre as vírgulas,
nada se transforma quando nada fica,

escrevo num acto de sangue,
e tudo o resto é uma nuvem deixada ao acaso

Jorge Vicente

fausto e as florestas

a força vem de dentro dos objectos são os objectos. fausto tentar tentáculo, se archotes então palavras revoltadas, a trotar planícies cheias florestas, através dos ramos cavalgada anárquica. a doença lancetava-lhe a força. a falta de ar lancetava-lhe a nevrose. a doença abafava-lhe o rosto cheio de força, cheio de força eram polvos e polvos na cara, metidos brônquios adentro, a copularem com as frinchas do oxigénio.fausto quis queria levantar a cabeça para sair da sub vida. levantar a cabeça górgona parasitas, no chão do seu crânio estava uma taça com os seus pensamentos. uma taça cheia dos seus vísceras pensamentos. com tanta força e com tantas ideias e com tanta força e com tantos pensamentos. e depois haver pensamentos armadilhados, pensamentos que não se podem tocar explodem. com a pessoa pensamentos como se fossem seus familiares.familiares mórbidos a urdirem incapacidades ao sujeito. pensamentos minados como se fossem familiares mórbidos a envenenarem a vida os novos seres já condenados que depois da alegria só encontram gengivas nas prisões. definitivamente envenenado pelos familiares. traições psíquicas por trás. uma psique que ficou definitivamente envenenada pelos familiares.o chão não era o chão. eram sair poros da terra e a terra a respirar um halo mórbido, húmido. nessas frestas da crosta terrestre cresciam árvores. árvores nubladas de grandes caules. a floresta era um livro misterioso, com milhares de páginas nervuradas penduradas nas árvores. fausto pilha voltaica amordaçado tentáculos de ferrugem. no chão do crânio uma energia revolucionária. uma energia revolucionária que há-de levar á vitória e à loucura. e eram páginas e páginas de energia nervurada, as sombras cheias de nevoeiro arvoredo.a radiação das coisas. inúmeros objectos e várias mãos. as luzes eram febris e fabris. as luzes eram como se olhos de van gohg: cintilantes e contorcidos. tudo olhava e tudo tinha olhos: os objectos, os pensamentos doentes, a compressão dentro dos compartimentos prisão, a força espartilhada eram polvos, a força genésica e o mal de fausto. os seus filhos também nasciam doentes. os filhos a brotarem dracmas doentes na paisagem e a sua mulher de cabeça aberta a parir uma criança pela cabeça, o chão do mal, a densidade floresta, a radiação das coisas, a sua profunda vitória, o cavalo às vezes é o ser mais surpreendente. fausto era apenas um riso na sombra da floresta. com a luz do sol ou a luz da lua, tanto faz, a trespassar segmentos e segmentos de recta. e eram as copas enormes que florestavam tudo e o caminho era pedregoso e musgoso.e, no charco, no centro da floresta, ringue a luta do bem e do mal ringue. e quando fausto lá chegou já o mal e o bem pareciam uma massa indiferenciada fundamental, lodo apócrifo com certeza, o mal era o bem e o bem era o mal, numa fornicação intempestiva, hermafrodita, traumática, cambaleante.numa auto-fornicação infernal que iria certamente levar à morte mútua. e a matéria gemia angústia e orgasmos, a matéria lodo primordial, a matéria quando bem e mal mesclados, assim andrógino cheio de enxofre - fausto: um acto dos diabos, e a floresta labirinto de sombras, a floresta massa primordial de sonâmbulos e de inconscientes, a floresta labirinto informe e inconsciente, e a matéria gemia angústia e orgasmos, o lodo lutava contra si próprio e fausto obrigava uma mulher a pôr ovos, e o lodo misturava-se apócrifo. e depois fausto fabricou um fogo para onde levou dois monstros de lama até ao fogo. e os dois disformes estavam enganchados pelas mandíbulas e pelo sexo. e gemiam quando violenta morte e interpenetravam-se suicídio. fausto fabricou um fogo e depois exterminou os monstros ou vais a bem ou vais a mal. os monstros parasitas insectos conchas lutavam si próprios. e numa pira de chamas ergue-se a salvação última. e o fogo crepitava no centro da floresta. e depois do exorcismo fausto levantou-se do seu esquecimento e trotou animal pela floresta. arrastando fêmeas para a floresta e obrigando-as a foder até rebentarem de tantos filhos. e depois, alegre e sempre bem humorado, como um comediante aliás, embrenhou-se ainda mais labirinto e andava por aqui e por ali a psicanalisar todos os animais mortos que encontrava pelos seus caminhos de floresta.