Faça-se luz para Lúcifer!
"A palavra Lúcifer significa "o portador da luz" ou "o portador do archote" (a palavra tem sua origem no latim, lux ou lucis com o significado de "luz"; ferre com o significado de "carregar"). Ou seja, de acordo com a origem, seu significado é "aquele que carrega a luz". Apesar de Satanás ser originalmente conhecido como Lúcifer, perdeu seu posto ao desejar subir a alturas acima de Deus e de Seu Ungido. Daí a importância de se evocar Apocalipse 22:16 onde Jesus deixa claro que ele é a verdadeira Estrela da Manhã." in Wikipedia
No espaço de um ano, era a segunda vez que Lúcifer era despedido. Alguém na Companhia de Electricidade tinha denunciado as ligações eléctricas clandestinas que Lúcifer fazia para "iluminar" os amigos. Há poucos meses tinha perdido o emprego numa empresa de televisão por cabo por descodificar canais a troco de uns trocos para cervejas. "Esbirros de uma figa!", dizia Lúcifer para com os seus botões, a caminho de casa. Era claro que não tinha feito as melhores opções mas, agora, com 27 anos, parecia-lhe tarde para começar do zero. E começar o quê?
Lúcifer tinha um sonho: viver na luz. Não na Estrada da Luz, nem na Luz do Conhecimento. Na Luz literal. Em cima de um palco. Sentir a luz a ofuscá-lo, a aquecê-lo, a fazê-lo brilhar. Nunca tinha contado a ninguém o seu sonho porque tinha medo que lhe chamassem "maricas". E depois essa coisa de ser artista nunca atraiu as "gajas".
Nesse dia, fez-se luz para Lúcifer. Aproveitou a ida da mãe, costureira de profissão, em peregrinação a Fátima e remexeu na alta-costura da pobre D. Adozinda. Reflectida no espelho, estava agora uma deusa de longas pernas e cintura marcada. Apesar do bustier, da saia travada e dos saltos-agulha, lá por dentro, Lúcifer continuava o mesmo: o mesmo maluco por "gajas", cervejas e um "lampião" ferrenho. Se se cruzasse na rua com aquela mulher do espelho, até era capaz de lhe dizer uma ou outra "graçola".
A cortina abre-se. É a Noite dos Amadores no bar de travestis mais conhecido da cidade. A luz já lá está, quente, à espera para o abraçar. Sem medos, Lúcifer avança para o playback que fará dele o mito vivo do transformismo. No Céu, o seu pai, um "ex-padre" alentejano morto por electrocussão num acidente de trabalho, fica contente pelo filho ter escolhido o caminho da Luz, que é também o da Felicidade.
P.S.: Disparatografia inspirada nas conversas de hoje. Catalogue-se como "Literatura Parva". Dedico ao meistre e aos colegas.